Quem me conhece sabe que sou vegetariano há mais ou menos uns cinco anos. Nesse meio tempo já fui vegan, ovolacto, crudívoro, e mais um monte de classificações idiotas que os próprios vegetarianos inventam (gosto por rótulos é uma doença de nossa época, com certeza). Na verdade, realmente existe uma diversidade enorme de vegetarianismos, mas eu prefiro pensar que existem somente dois, um por motivos éticos e outro por motivos pessoais. Explico: o vegetarianismo por opção ética reconhece um estatuto moral aos animais, não os enxergando como meros objetos para nossa alimentação ou exploração, bem como se preocupa com todo o problema ambiental e social (fome!) que envolve a criação ostensiva de animais para alimentação. O vegetarianismo por motivos pessoais envolve uma preocupação da pessoa com sua saúde e com hábitos alimentares que prometem uma maior longevidade e uma qualidade de vida melhor.
Sou vegetariano por opção ética. Reconheço os animais como uma alteridade que merece respeito e mais do que isso, direito à vida. Por isso mesmo admiro sinceramente pessoas que dedicam parte de seu tempo a proteger os animais. Contudo, de um tempo pra cá tenho percebido uma tremenda corrupção no discurso protetor aos animais. Um radicalismo obtuso, estúpido, que angaria uma justificada antipatia em relação à causa animal. Esse discurso tosco parte, na maioria das vezes, de pessoas que não conhecem com o mínimo de profundidade o problema da relação homem x animais e que simplifica essa relação sem considerar todo o desenvolvimento histórico de que ela é fruto.
Percebo isso claramente na perseguição que muitos blogs e fóruns de discussão sobre o assunto realiza contra a dieta dos não vegetarianos e contra posturas pessoais contra os animais. A exigência de respeito pelos animais não pode ser uma exigência de apresso para com os mesmos. Da mesma forma que o esclarecimento sobre o vegetarianismo não pode ser uma condenação de uma dieta que envolva carne. Tanta energia gasta em condenar a atitude alheia que poderia ser convertida na real proteção dos animais.
Uma amiga minha, psicóloga, dando um exemplo em uma palestra de como memórias infantis explicam relações afetivas na vida adulta, contou que quando criança encontrou filhotes de gambá vivendo no fundo da chacará de seu avô. Pegou os animaizinhos, encheu um balde de água e os afogou ali. Ela explicou a relação dessa história com o objetivo da palestra, encerrou o assunto e tal. Ao final da palestra ouviu manifestações de ódio de um dos ouvintes, duvidando de sua credibilidade acadêmica e a chamando de assassina de animais, desconsiderando que o ato foi realizado quando ela tinha menos de dez anos de idade e que, como ela explicou, ela queria dar um banho nos bichinhos, não sabia que eles morreriam, era uma criança, oras. Começou a receber e-mails agressivos e desrespeitosos, com conteúdo inflamado, ameaçando sua incolumidade física e de sua família. Um verdadeiro transtorno que só foi encerrado através de intervenção policial.
Esse terrorismo vegetariano ou pró-animais gera todo um movimento contrário de intolerância ao discurso protetivo em relação aos animais. E o pior, os idiotas que professam esse discurso não são os prejudicados por essa reação, mas os mesmos animais que eles dizem proteger. Um amigo americano me enviou um e-mail contando que seu vizinho flagelou vários cães e gatos em frente à casa de um ativista ambiental que o incomodava com discursos e panfletagem incessante. E esse tipo de coisa continuará a acontecer, a menos que se desenvolva uma percepção de que o tipo de discurso que os pró-animais professam não pode ser simplesmente imposto, e que proteção dos animais não se faz perseguindo as pessoas.
Quando leciono ética sempre encontro uma forma de incluir o problema da relação com os animais na discussão com os alunos. De fato, existe uma bibliografia interessante sobre o assunto, que vai de Peter Singer a Derrida e que trabalha questões sociais e antropológicas muito importantes para um discurso inteligente e fundamentado sobre o assunto. E por mais radicais que alguns autores sejam na proteção dos animais, em nenhum deles se percebe uma imposição das ideias e uma tentativa de ofender e massacrar quem discorda das posições ali apresentadas. Esse tipo de postura é bem mais efetiva e importante que a de alguns terroristas que se dizem protetores dos animais.
O problema do convívio com os animais é um problema de convívio humano e social também, não é uma guerra a ser lutada com todo tipo de ofensa e perseguição. Em meio a tudo isso, o centro do problema, os animais, são ignorados e continuam a ser vilipendiados de todas as formas. Nossa percepção do problema se perde em meio a insultos e gritaria. Parece o destino da nossa época o desperdício de forças que poderiam ser convertidas em coisas mais úteis. Novamente, uma pena para os animais, que tem que sofrer com os deserviços que seus ditos protetores realizam.